Rio Doce


Antes que o tempo finde, podemos e devemos fazer algo por nosso amado Rio Doce. Nesse sentido iniciamos esse Blog e uma página no facebook com o objetivo claro e definido de unir os que o rio viu crecer e de sensibilizar os que se incomodam por essa tragédia ambiental, fazendo com que esses canais sirvam de referência em pesquisas, artigos, resgate histórico, vídeos, fotos e ações que permitam reverter essa triste situação. Foto - Capa Fanpage Nossa Colatina

Abraços fraternos
Robson Côgo

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Bernadette Lyra, nossa querida escritora nos presenteia com essa linda crônica do Rio Doce, publicada no Caderno 2 do Jornal A Gazeta, hoje dia 10/08/2015


Queridas e queridos, minha crônica de hoje. Caderno 2. Jornal A Gazeta. Com as fotos do belo Rio Doce, no antes e depois, para entender meu lamento.

ERA UMA VEZ UM RIO
Era uma vez um rio. Um rio tão longo, tão largo e tão impetuoso que, quando chegava à foz, suas águas doces continuavam avançando por muitas léguas adentro das águas salgadas do mar. Por isso deram-lhe o nome de Doce. Mas dizem que os índios o chamavam Vatu.
Talvez seja isso. Ou talvez não seja. Não importa. O que importa é que o Rio Doce sempre foi um mistério.
Por muitos e muitos anos, ele ficou sem registro, correndo desde onde se perdia a memória, do alto sertão das Gerais até a faixa das areias e das praias, no Espírito Santo.
É estranho que os viageiros quinhentistas não o tenham visto a desaguar no Atlântico. Nem os navegadores das três caravelas que, em maio de 1501, partiram de Portugal para reconhecer o tamanho e a distribuição geométrica dos pontos terrestres, marinhos e fluviais do Novo Mundo; nem as frotas que faziam exploração cuidadosa da costa; nem mesmo os jesuítas, que, depois, se fizeram de vigias das almas e das propriedades de El-Rei.
O fato é que o Rio Doce permaneceu ausente das cartas e mapas até 1540. Naquele ano, pela primeira vez, aparece nomeado em um desenho de Jorge Reinel. E, ainda assim, continua pelo resto do século XVI como uma referencia apagada, um diminuto risco de poucos milímetros, sem que que ninguém sequer se arriscasse a registrar seu longo traçado de quase 900 quilômetros.
Comentam alguns que esse oblívio obscuro, esse misterioso esquecimento, esse reconhecimento tardio se devem à sua foz, com canais em constante mudança. Comentam também que essa foz traiçoeira afastava todo tipo de navios e barcos. E acrescentam que nem mesmo os índios queriam viver ali, nas planícies de suas ribeiras, onde havia umidade demais e as margens, de tão baixas, ficavam sujeitas a inundações.
Mas o rio lá estava. Um caudal poderoso debaixo do céu, atravessando terras quietas e noites imensas, por onde goitacás e aimorés caminhavam, caçando, pescando e dormindo no leito de terra batida, enquanto Marét-Khamaknian se recolhia com o sol e a velha Maret-Jikki fazia a lua sair e refletir-se no profundo das águas.
Essa é a História e o que ela registra. No entanto, há ainda as histórias de cada uma criatura que, como eu, muitas vezes cruzou pelo Doce. Fragmentos de lendas, delirantes passagens, observações curiosas que mudam como um caleidoscópio, uma forma de luz cheia de nostalgias, que marcam a memória que se tem dos peixes, dos troncos de árvores emergindo das margens, dos pequenos macacos escuros, das garças como talhos de alvura contra o lento deslizar das águas, do brilho das tardes e de todo o abismo de tons de azuis, verdes e cinzas que as balsas pesadas cortavam à medida que atravessavam as águas, como cascas vagarosas e imensas, fazendo o transporte dos viajantes e dos carros.
Pois que nem ponte havia por cima do rio. E a ponte que então se construía e que, hoje, une as duas margens dando continuidade à estrada, ia sendo feita, a estender-se mais longa e completa a cada semestre que eu por ali transitava, levada e trazida por meu pai, indo para os estudos no Colégio do Carmo em Vitória ou voltando de férias para a minha Conceição da Barra.
Mas, agora, o Doce é um rio poluído e sem forças. Sua foz recuou 60 metros continente adentro e não passa de uma lagoa contida por uma faixa grossa de areia. O que o impede até mesmo de desaguar no oceano.
Por toda a geometria de afeto que me une ao Rio Doce, é consternada que leio a notícia de sua agonia. E confesso a vocês que choro, a cada vez que vejo as fotos de tanta degradação.



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